quarta-feira, 17 de abril de 2013

O melhor está
logo ali na esquina
Suzana Braga
Crítica de dança
A noite de competições de domingo, dia 26, foi um mix de modernos, contemporâneos, solos livres femininos e masculinos e mais Dança de Rua. Como em todas as anteriores, teve seus prós e seus contras. Mas o mais importante dessa noite foi rever o Teatro Guaíra, de Curitiba, com o seu elenco esbanjando forma e dança na peça " Caminhada", de Rodrigo Moreira.
Quando se assiste a uma peça de qualidade, bem dançada por um elenco competente e acima de tudo brasileiro, voltamos a refletir sobre o porquê de alguns grupos estrangeiros serem convidados ao palco de Joinville se, logo alí na esquina, em Curitiba, temos um produto muito melhor. É certo que muita coisa boa do exterior apareceu neste festival, ( Le Riche, Zhandra Rodriguez, Boyd Laud, entre outros) mas nessas últimas noites passaram pelo palco do Cau Hansen coisas bastante questionáveis.
Mas voltando ao prazer de ver o Guaíra, a companhia está revigorada, jovem, nota-se que já superou o trauma da morte de Carlos Trincheiras, que comandou o elenco por mais de uma década e hoje, sob a direção de Cristina Purri, uma excelente ensaiadora, oriunda do Grupo Corpo, o elenco mostrou o que sabe fazer: dançar e o fez muito bem. Assim como o Guaíra outras companhias ou grupos nacionais brilham pelos palcos do Brasil e nos mais exigentes teatros do mundo.
A peça apresentada ,"Caminhada", é um trabalho feito originalmente para o Teatro Municipal de Niterói (RJ) mas pareceu sob encomenda para o elenco paranaense. É um trabalho limpo, sem grandes extravagâncias coreográficas e que tem o seu momento máximo no solo "Hymne a la Femme", interpretado pela excelente Regina Kotaka. Fez bonito. Também grande destaque para a atuação de Eleonora Greca em vários micros-solos, quase interferências cênicas executados com muita força e interpretação.
Na parte competitiva da noite, surpresas em todos os sentidos. Algumas pela qualidade dos trabalhos e outras por premiações aparentemente equivocadas ou que causaram questionamentos entre os grupos. No moderno/contemporâneo profissional, não foi concedido primeiro lugar a nenhum grupo, mas causou espanto a melhor colocação ( 2º lugar ) para a B.G. Cia de Dança, com a peça "Ao Max" enquanto que brasiliense o Azzo Dança não foi sequer classificado com o bom trabalho "Liber". Também a Ginga Cia. de Dança (Campo Grande), com a bonita coreografia "Breve", teve de contentar-se apenas com o terceiro lugar.
Nos solos femininos, o que pareceu melhor elaborado e interpretado foi "Depois da Pressa", coreografia de Jussara Miranda para a bailarina Aline Vieira de Mello. Mas a única premiação na modalidade foi um terceiro lugar para o Grupo Quality com o solo "A rosa mística" interpretado por Tatiana Rossatti de Oliveira, por sinal uma boa peça de Henrique Talma.
Nos solos masculinos houve unanimidade de opiniões e aplausos para o trabalho "Tinada de la luna llena", de Luis Arrieta, muito bem defendido por Fernando Martins de Paiva, do Grupo Beth Dorça. Em segundo ficou o Heloísa Bertoli Stúdio de Dança, com a peça "Palhaço", interpretada por Alex Sander das Neves dos Santos.
No street também questionamento nos resultados. Mais uma vez o Dança de Rua do Brasil arrebatou a primeira colocação com o trabalho "Homens de preto", na categoria profissional. Os perdedores reclamaram . Na categoria Amador, o primeiro lugar ficou com a Blackout Cia. de Dança.
Beleza
Regina Kotaka no solo "Hymne a la Femme"
Foto: Pena Filho
A mão que acaricia a adaga
"Caminhada" é um daqueles espetáculos que toma-nos pela mão para um périplo, noite adentro, pela floresta escura onde a vida arde numa chama tênue. O movimento alça vôo nas asas destes apenas corpos, vestes, claros e escuros e cinzas. Sigamos de mãos dadas. Elide tudo que seja palavra. Ver com os olhos e lamber com a testa, lamber com o que está dentro dos olhos, como se o proscênio fosse uma retina apenas, e nos observa-se à medida que é assistido.
Na sua transparência de significados repasta o espírito. As dores do corpo não machucam os olhos, mas o ferrão agudo da consciência é uma presença indissolúvel. Como se a mão enterrando, acariciasse a adaga.
No solo de Kotaka, as digitais do coreógrafo, inconfundíveis. À luz coada pelo vão da pedra, um facho ilumina o que já foi o altar de um templo em ruínas. Em seu eixo, gravitam corpos, gestos e formas como faíscas que se apagam para acender outras em seu lugar. E é um caminho que se percorre como um autômato, com a determinação dos suicidas: o irreversível dardo entre a mão que lança e o peito aberto, nu, ímpio e sem nenhuma possibilidade de arrependimento. (Joel Gehlen)

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